segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sobre o Poesia Favela no LerUERJ


A ideia de promover o “Poesia Favela” surgiu em conversas com a Adriana Facina motivadas pelas afinidades entre nós, por nossas preocupações e perspectivas comuns sobre a cultura e a desigualdade social no país.
Nesse contexto, destacaram-se duas preocupações em comum:  a primeira, a de que nosso trabalho na Universidade tende a ser muito dissociado da vida das comunidades das favelas e periferias urbanas,  de suas demandas, seus valores, suas preocupações cotidianas;  a segunda, a que não nos dedicamos a conhecer ou a pensar sobre as manifestações culturais produzidas nessas comunidades.  No nosso caso, no Instituto de Letras da UERJ, reconheço, como vários outros (as) colegas, que não temos uma noção precisa do que ouvem, vêem ou lêem os/as estudantes de nossos cursos.  Supomos, inclusive, que serão formadores de leitores do futuro, ao lecionar línguas e literaturas,  mas não sabemos avaliar muito bem sua formação anterior à universitária e o que esta interfere naquela – positiva ou negativamente. Por exemplo, não prestamos a devida atenção se estamos preparando nossa estudantada para compreender melhor (e até usufruir melhor!) as manifestações culturais que cercam a sua casa, o bairro onde vivem, a cidade em que nasceram, ou se estamos criando neles preconceitos e tabus em relação a estas. 
O Poesia Favela é uma das iniciativas do Programa de extensão de estímulo à leitura que coordeno na UERJ (LerUERJ) para maior aproximação com a cultura das comunidades que não se fazem ouvir na universidade.  E , em vez de pesquisar, entrevistar ou procurar na internet, nos encontros locais as manifestações literárias que, conforme temos notícia,  acontecem em favelas e periferias do Rio de Janeiro, convocamos os grupos e indivíduos que se relacionam a essas iniciativas para um encontro-ocupação da universidade.  O ambiente da Oficina de Formação de Agentes Culturais Populares trouxe para perto de nós os poetas Deley de Acari e Severino Honorato, que passaram a coordenar a organização do evento e de várias atividades em torno dele.  Depois, vão surgindo novas parcerias e iniciativas, como a das duas equipes, que junto a eles dois, estão filmando eventos de poesia nas “perifas” do Rio (material que será exibido no evento do dia 20 de outubro).   Assim também da outra equipe que vai colaborar com a  coordenadora pedagógica do LerUERJ, Mirna Aragão, para organizar esse blog do evento.
A escolha do espaço da UERJ se deveu principalmente à posição estratégica do campus na cidade, como via para os subúrbios e proximidade com muitas favelas populosas.  Pretendemos, com o encontro nesse espaço, em primeiro lugar, estimular à  presença e a ocupação dos espaços da universidade por uma parte da população que costuma se sentir pouco à vontade nesse espaço dito público. Em segundo lugar, estimular os estudantes, professores e pesquisadores da universidade à aproximação com as formas culturais que brotam e se desenvolvem nas favelas. Em terceiro lugar, a estrutura que prevemos para o evento pretende incluir o espaço para o debate e a crítica, também a contextualização dessas manifestações através daqueles que as promovem.  E, em quarto lugar, esta será uma ocasião especial para os estudantes e os pesquisadores da área de Letras repensarem com outros setores da população o que se considera Poesia e, por extensão, literatura no momento atual.  Levantar questões para as quais as respostas não são evidentes, como às vezes parecem, as letras de canção popular ou as sinuosas recitações de hip-hop são um gênero poético?  Ou como ficam as letras virulentas e provocativas do funk nesse contexto? Além de outras que envolvem difusão e produção de cultura, como:  Existem canais específicos de produção de literatura da favela, como editoras?  Ou a circulação de textos se faz pela internet?  E os saraus de poesia, como os da Cooperifa em São Paulo (contaremos com a presença de um de seus organizadores) como surgiram e como se organizam? 
Vamos abrir um pouco mais as  portas da universidade à diversidade e partir para novas iniciativas que brotem daí – em outros campus universitários ou no campo editorial.

Victor Hugo Pereira – coordenador do LerUERJ (Programa de incentivo à leitura da UERJ)

Um comentário:

  1. "Poesia favela" é a mostra mais evidente proporcionada por aqueles que não permanecem nos limites das teorias sobre a margem. Ao invés disso, criam condições para que as vozes da perferia falem por si. Parabenizo o coordenador do Ler UERJ, Professor Victor Hugo Pereira, por abrir a Universidade, a fim de que todos nós da UERJ, professores, estudantes, funcionários, possamos ver e ouvir as manifestações da cultura. Isso é atitude. Atitude de quem sai do lugar de mediador. Há muito, já deveria ter sido praticada essa retirada, tão debatida em textos acadêmicos, do intelectual que fala pelo outro. Aproveitemos a oportunidade de sermos leitores e espectadores daqueles que pensam e criam a partir dos lugares que ocupam em sociedade.

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