segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Èle Semog - "TUDO QUE ESTÁ SOLTO"

Não Há um Canto da Favela

Não há um
canto de favela
que não guarde
uma história.

Não há
um canto
de favela
que não tenha
um conto
pra contar.

Não há
um canto
de favela
que não guarde
histórias
nas marcas
da ultima
enchente nas
paredes dos
barracos
que levou
agua á baixo
tvsvideosgeladeiras
armários,
roupaspanelas
que ficou-se
devendo prestações
mas com sorte
saiu-se
com vida.

Não há
um canto
da favela
um cantinho
de viela
que não guarde
ainda os sons
das vozinhas femininas
infantis
brincando
de casinha e Bárbie
até uma
sairavada de AR-15
botar todo mundo
embaixo da mesa
da cozinha
longe do lugar
da bala perdida
achar um.

Não há
um canto
da favela
que não guarde
as vozes sussurradas
dos meninos
contando
a boca miúda
os feitos lendários
de Jotaélli
quando da retomada
épica do seu
Reino d'Pó
das parades do Acari.

Não há
um canto
da favela
que não guarde
o testemunho
choroso
de um irmão em Deus
subitamente
per'vertido a fé cristã
depois de tantas
dores e horrores
que infligiu
aos seus inimigos
e suas familias
aqui na Terra.


Deley de Acarí

Poesia Favela



Que espaço é este chamado de Poesia Favela,
Criado para que a academia discuta se aproxime da periferia?
Como pode um ser nascido na favela reencantar o seu olhar com
O esgoto a céu aberto a conflitar com o azul?
Como pode um ser poeta ter uma alma lírica mesmo diante da violência operante?
Como pode manter calado o grito da dor que aos seus tímpanos estouraram com os desabamentos vividos depois das enchentes anunciadas,  pela descaso público?
De onde nasce a inspiração que formarão o enredo do sarau dos privilegiados por nascer, existir ?
Será que vem da música que o estomago vazio canta para acomodar suas tripas?
Será que vem do trabalho desta gente que é bendita?
Será que vem do medo, da força que a tudo assiste com a máscara da morte torcendo por um começo e premeditando o fim?
Penso vir da magia da vida que tem a proteção não avistada pelos olhos do corpo, porém, atiçada, ritmada pelo pulsar do tambor.
Vem da força que incendeia a veia do coração, vem como veio pra Zumbi dentro da embarcação.
Vem com Deus a nos guiar sem ter uma religião, mas com uma fé iluminada que quebra qualquer resistência até mesmo da ciência quando o assunto é vocação.

Valéria Barbosa

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Poema Negro



Um poema negro,
Deve ser igual a todos
                    Os outros!
Um poema negro,
Nada mais deve conter
Que não a sua negritude...

Um poema negro
Não precisa, necessariamente,
Estar de preto...

Um poema negro
Não precisa vestir-se de luto!

Não precisa ser revolucionário,
Pois já o é, na cor...

Um poema negro
Não precisa viver de amor;
Pois já o vive,
Na sua essência!

Um poema negro
Nada mais denuncia
Que não a negrice
Da alma, da existência!

Um poema negro
É negro
Por não negar a cor!  

Mas, no fim,
O poema negro,
Não nega a si
E admira a beleza da flor!
 
                 Severino Honorato

Sobre o Poesia Favela no LerUERJ


A ideia de promover o “Poesia Favela” surgiu em conversas com a Adriana Facina motivadas pelas afinidades entre nós, por nossas preocupações e perspectivas comuns sobre a cultura e a desigualdade social no país.
Nesse contexto, destacaram-se duas preocupações em comum:  a primeira, a de que nosso trabalho na Universidade tende a ser muito dissociado da vida das comunidades das favelas e periferias urbanas,  de suas demandas, seus valores, suas preocupações cotidianas;  a segunda, a que não nos dedicamos a conhecer ou a pensar sobre as manifestações culturais produzidas nessas comunidades.  No nosso caso, no Instituto de Letras da UERJ, reconheço, como vários outros (as) colegas, que não temos uma noção precisa do que ouvem, vêem ou lêem os/as estudantes de nossos cursos.  Supomos, inclusive, que serão formadores de leitores do futuro, ao lecionar línguas e literaturas,  mas não sabemos avaliar muito bem sua formação anterior à universitária e o que esta interfere naquela – positiva ou negativamente. Por exemplo, não prestamos a devida atenção se estamos preparando nossa estudantada para compreender melhor (e até usufruir melhor!) as manifestações culturais que cercam a sua casa, o bairro onde vivem, a cidade em que nasceram, ou se estamos criando neles preconceitos e tabus em relação a estas. 
O Poesia Favela é uma das iniciativas do Programa de extensão de estímulo à leitura que coordeno na UERJ (LerUERJ) para maior aproximação com a cultura das comunidades que não se fazem ouvir na universidade.  E , em vez de pesquisar, entrevistar ou procurar na internet, nos encontros locais as manifestações literárias que, conforme temos notícia,  acontecem em favelas e periferias do Rio de Janeiro, convocamos os grupos e indivíduos que se relacionam a essas iniciativas para um encontro-ocupação da universidade.  O ambiente da Oficina de Formação de Agentes Culturais Populares trouxe para perto de nós os poetas Deley de Acari e Severino Honorato, que passaram a coordenar a organização do evento e de várias atividades em torno dele.  Depois, vão surgindo novas parcerias e iniciativas, como a das duas equipes, que junto a eles dois, estão filmando eventos de poesia nas “perifas” do Rio (material que será exibido no evento do dia 20 de outubro).   Assim também da outra equipe que vai colaborar com a  coordenadora pedagógica do LerUERJ, Mirna Aragão, para organizar esse blog do evento.
A escolha do espaço da UERJ se deveu principalmente à posição estratégica do campus na cidade, como via para os subúrbios e proximidade com muitas favelas populosas.  Pretendemos, com o encontro nesse espaço, em primeiro lugar, estimular à  presença e a ocupação dos espaços da universidade por uma parte da população que costuma se sentir pouco à vontade nesse espaço dito público. Em segundo lugar, estimular os estudantes, professores e pesquisadores da universidade à aproximação com as formas culturais que brotam e se desenvolvem nas favelas. Em terceiro lugar, a estrutura que prevemos para o evento pretende incluir o espaço para o debate e a crítica, também a contextualização dessas manifestações através daqueles que as promovem.  E, em quarto lugar, esta será uma ocasião especial para os estudantes e os pesquisadores da área de Letras repensarem com outros setores da população o que se considera Poesia e, por extensão, literatura no momento atual.  Levantar questões para as quais as respostas não são evidentes, como às vezes parecem, as letras de canção popular ou as sinuosas recitações de hip-hop são um gênero poético?  Ou como ficam as letras virulentas e provocativas do funk nesse contexto? Além de outras que envolvem difusão e produção de cultura, como:  Existem canais específicos de produção de literatura da favela, como editoras?  Ou a circulação de textos se faz pela internet?  E os saraus de poesia, como os da Cooperifa em São Paulo (contaremos com a presença de um de seus organizadores) como surgiram e como se organizam? 
Vamos abrir um pouco mais as  portas da universidade à diversidade e partir para novas iniciativas que brotem daí – em outros campus universitários ou no campo editorial.

Victor Hugo Pereira – coordenador do LerUERJ (Programa de incentivo à leitura da UERJ)